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Créditos Tributários na Reforma: A Solução para PIS/COFINS e a Longa Espera pelo ICMS

Introdução

Um dos problemas crônicos do sistema tributário brasileiro é o acúmulo de créditos fiscais de ICMS, PIS e COFINS, um fardo que afeta diretamente o capital de giro e a competitividade das empresas, especialmente as exportadoras. A Emenda Constitucional nº 132/2023, marco da Reforma Tributária, prometeu endereçar essa disfunção histórica. Contudo, ao fazê-lo, o legislador criou duas realidades distintas: uma solução relativamente ágil para os saldos de PIS e COFINS e uma espera de vinte anos (!!) para a compensação dos créditos de ICMS. Este artigo analisa criticamente essa dualidade, argumentando que, embora a solução para os tributos federais seja um avanço, o prazo estabelecido para os créditos estaduais institucionaliza um prejuízo, perpetua a insegurança jurídica e revela uma assimetria injustificável no tratamento de direitos de mesma natureza.

 

AS SOLUÇÕES LEGISLATIVAS PARA OS CRÉDITOS ACUMULADOS

A Reforma Tributária estabeleceu caminhos distintos para os saldos credores de ICMS e de PIS/COFINS existentes ao final dos períodos de transição.

  1. Créditos de PIS e COFINS: A solução para os tributos federais, cujos saldos serão apurados em 31 de dezembro de 2026, é mais célere e flexível. O Art. 137 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) prevê que os saldos credores da Contribuição para o PIS e da COFINS poderão ser, a critério do contribuinte:
  • Compensados com débitos da nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS);
  • Compensados com outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil;
  • Ressarcidos em dinheiro, conforme previsto em lei complementar.

 

Essa abordagem oferece ao contribuinte opções para monetizar seus créditos de forma relativamente rápida, integrando-os ao novo sistema ou convertendo-os em caixa, o que representa uma solução concreta e alinhada às necessidades empresariais.

  1. Créditos de ICMS: A realidade para os créditos de ICMS é drasticamente diferente. Conforme o Art. 138 do ADCT, os saldos credores existentes em 31 de dezembro de 2032, após homologação pelos Estados, serão compensados em 240 parcelas mensais e sucessivas (20 anos), a partir de 2033, corrigidas pelo IPCA. Essa medida, na prática, transforma um direito de crédito líquido em um precatório de longo prazo, com um severo impacto financeiro para seus detentores.

 

CRÍTICA À ASSIMETRIA DAS SOLUÇÕES: DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

Embora a solução para PIS/COFINS seja louvável, a sua justaposição com o tratamento dado ao ICMS expõe uma inconsistência fundamental. A crítica, a nosso ver, se desdobra em três eixos principais.

  1. Violação da Isonomia e da Natureza Jurídica do Crédito: O crédito fiscal, seja ele de PIS/COFINS ou de ICMS, possui a mesma natureza jurídica: é um direito patrimonial do contribuinte, decorrente da aplicação do princípio constitucional da não cumulatividade, mas que, por questões operacionais das mais diversas acabou não sendo observado ao longo do tempo, gerando acúmulo de créditos. Não há fundamento jurídico ou econômico para que um direito de mesma origem e natureza receba tratamentos tão díspares. A decisão de postergar a devolução do crédito de ICMS por duas décadas, enquanto se oferece uma solução ágil para o PIS/COFINS, fere o princípio da isonomia (Art. 150, II, CF/88), tratando contribuintes em situações equivalentes de forma desigual, baseado apenas na origem federativa do crédito.
  2. A Institucionalização do Prejuízo e o Efeito Confiscatório do Prazo de 20 Anos: A crítica ao prazo de 20 anos para o ICMS permanece e é agravada pela comparação. A medida esvazia a eficácia dos princípios da não cumulatividade e da imunidade das exportações. A correção monetária pelo IPCA é insuficiente para recompor o valor econômico do crédito, configurando um efeito confiscatório ao transferir compulsoriamente o capital de giro das empresas para financiar os cofres estaduais por duas décadas.
  3. O contribuinte, na prática, é forçado a conceder um empréstimo de longuíssimo prazo ao Estado, a juros subsidiados, fato que fica mais cristalino quando se constata que, se aprovado o PLP 108/24, os créditos de ICMS, ditos escriturais, ficarão sem qualquer tipo de correção até 1º de fevereiro de 2033 e somente a partir daquela data é que passarão a ser corrigidos pelo IPCA, ou seja, a perda do real valor monetário desses créditos não pode ser ignorada, seja os que acabaram de ser escriturados em 2025, (portanto, ficarão 8 longos anos sem correção), mas também quando se constata que há empresas com créditos acumulados da década de 90 ou início dos anos 2000, esses exportadores ficarão com seus créditos sem qualquer correção por mais de 30 anos, um verdadeiro absurdo.
  4. Incerteza Regulamentar e Perpetuação da Insegurança Jurídica: Mesmo a solução para o PIS/COFINS não está isenta de incertezas. A lei complementar que regulará o ressarcimento em dinheiro ainda não existe e não há garantias sobre a celeridade e a ausência de obstáculos burocráticos nesse processo. A experiência histórica com pedidos de ressarcimento inspira ceticismo. No caso do ICMS, a insegurança é ainda maior: a necessidade de homologação prévia pelos Estados cria um gargalo administrativo e um campo fértil para o contencioso, postergando a resolução de conflitos para o período entre 2033 e 2053.

 

CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS E IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS

A dualidade de tratamentos cria claras distorções competitivas:

  • Vantagem Setorial Indevida: Setores que acumulam predominantemente créditos de PIS/COFINS (como alguns prestadores de serviços) terão uma vantagem de liquidez sobre setores que acumulam principalmente ICMS (como a indústria e o agronegócio exportador).
  • Prejuízo à Competitividade Global: A demora na devolução do ICMS continuará a ser um “custo Brasil”, onerando financeiramente os exportadores e reduzindo sua competitividade no mercado internacional.
  • Desestímulo ao Investimento: A incerteza e o longo prazo para recuperar o crédito de ICMS gerado por investimentos em bens de capital desestimulam a modernização e a expansão da capacidade produtiva nacional.

 

CONCLUSÕES E SUGESTÕES

A Reforma Tributária acertou ao prever uma solução ágil e flexível para os créditos acumulados de PIS e COFINS. Contudo, errou gravemente ao impor um prazo de 20 anos para a devolução dos créditos de ICMS, criando uma solução assimétrica e injusta. Essa medida não resolve o problema, apenas o posterga, institucionalizando um prejuízo e mantendo um foco de insegurança jurídica.

Para corrigir essa distorção e alinhar o tratamento dos créditos, a legislação complementar deveria:

  1. Harmonizar os Prazos: Reduzir drasticamente o prazo de compensação do ICMS para um período razoável, como 60 meses (5 anos), aproximando-o da lógica aplicada ao PIS/COFINS.
  2. Garantir a Liquidez: Permitir que os créditos de ICMS também possam ser usados para quitar quaisquer outros tributos ou cedidos a terceiros com segurança jurídica.
  3. Estabelecer uma Correção Justa: Aplicar a taxa SELIC como índice de correção para os saldos de ICMS, a partir da data em que escriturados, refletindo o real custo de oportunidade do capital e alinhando-se à prática da própria Fazenda Pública na cobrança de seus devedores.
  4. Definir Regras Claras de Ressarcimento: Regulamentar de forma clara e célere os procedimentos de ressarcimento em dinheiro para os créditos de PIS/COFINS, estabelecendo prazos máximos para a administração tributária concluir a análise.

Apenas com essas correções a Reforma Tributária poderá, de fato, encerrar o capítulo dos créditos acumulados, promovendo a isonomia, a segurança jurídica e a competitividade que a economia brasileira necessita.