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O PLP 182/2025: Uma Análise Detalhada sobre a Redução de Benefícios Fiscais e a Responsabilidade em Apostas Online

O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 182/2025, proposto pelo Deputado José Guimarães (PT/CE), tem por objetivo endereçar dois pontos críticos da gestão fiscal e regulatória do país: (i) a redução linear de incentivos e benefícios federais de natureza tributária e (ii) o estabelecimento da responsabilidade solidária de terceiros pelo recolhimento de tributos incidentes sobre a exploração de apostas de quota fixa.

A relevância deste projeto reside na sua capacidade de impactar diretamente a arrecadação federal e as finanças públicas, diante de um contexto de constante desequilíbrio orçamentário. O objetivo declarado é restaurar o equilíbrio das contas, promover a eficiência econômica e fortalecer a justiça tributária, dada a constatação de que os gastos tributários atingiram patamares significativos e tendem a aumentar, exercendo pressão considerável sobre o orçamento. Adicionalmente, busca-se coibir a atuação de operadores de apostas não autorizados, garantindo a integridade do sistema tributário e a proteção dos apostadores.

 

Principais Alterações Propostas

O PLP 182/2025 é estruturado em quatro capítulos, abordando as disposições preliminares, a redução de incentivos, a responsabilidade tributária e as disposições finais.

 

Redução de Incentivos e Benefícios Tributários Federais

O Capítulo II do PLP 182/2025 propõe a redução de benefícios fiscais relativos a importantes tributos federais, conforme o Art. 2º da proposta:

  • Contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e a Contribuição para o PIS/Pasep-Importação;
  • Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Cofins-Importação;
  • Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);
  • Contribuição Previdenciária do empregador (incluindo a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB);
  • Imposto de Importação (II); e
  • Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

 

A redução será implementada de forma cumulativa, com diferentes mecanismos para cada tipo de benefício, conforme o Art. 3º:

  • Isenção e Alíquota Zero: Aplicação de alíquota correspondente a 10% da alíquota do sistema padrão.
  • Alíquota Reduzida: Aplicação de alíquota correspondente à soma de 90% da alíquota reduzida e 10% da alíquota do sistema padrão.
  • Redução de Base de Cálculo: Aplicação de 90% da redução da base de cálculo prevista na legislação específica do benefício.
  • Crédito Financeiro ou Tributário (incluindo presumido/fictício): Aproveitamento limitado a 90% do valor original do crédito.
  • Redução de Tributo Devido: Aplicação de 90% da redução do tributo prevista na legislação específica do benefício.
  • Regimes Especiais/Favorecidos Opcionais (tributos cobrados como % da receita bruta): Elevação em 10% da porcentagem da receita bruta correspondente aos tributos.
  • Regimes de Tributação (base de cálculo presumida): Os percentuais de presunção ficam acrescidos em 10%, sendo que o acréscimo se aplica apenas à parcela da receita bruta total que exceda R$ 1.200.000,00 no ano-calendário.

 

O PLP também estabelece, no Art. 4º, que a redução não se aplica a:

  • Imunidades constitucionais;
  • Alíquotas zero concedidas aos produtos que compõem a Cesta Básica;
  • Benefícios concedidos por prazo determinado a contribuintes que já tenham cumprido condição onerosa (exclusivamente investimento previsto em projeto aprovado pelo Poder Executivo Federal até 31 de dezembro de 2025);
  • Benefício usufruído por pessoa jurídica sem fins lucrativos;
  • Benefício estabelecido com base no Art. 146, caput, inciso III, alínea “d”, e § 1º, da Constituição Federal;
  • Benefícios tributários cuja lei concessiva preveja teto quantitativo global;
  • Benefício concedido ao Programa Minha Casa, Minha Vida; e
  • Alíquotas ad rem.

As reduções incidirão apenas nos incentivos e benefícios tributários vigentes na data de publicação da lei complementar.

 

Responsabilidade Tributária Relativa à Exploração Irregular de Apostas de Quota Fixa

O Art. 6º inova ao estabelecer a responsabilidade solidária de terceiros no combate à exploração irregular de apostas de quota fixa. Serão solidariamente responsáveis com os contribuintes:

  • Instituições financeiras e de pagamento e instituidores de pagamento: Aqueles que permitirem transações com operadores de apostas não autorizados pela legislação federal.
  • Pessoas físicas ou jurídicas que divulgarem publicidade ou propaganda comercial: De operadores de loteria de apostas de quota fixa não autorizados.

A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) ficará responsável por regulamentar esta disposição.

 

ANÁLISE TÉCNICA

Impacto nas Infraestruturas Existentes

A aprovação do PLP 182/2025 demandará adaptações significativas nas infraestruturas tecnológicas e operacionais de empresas e órgãos governamentais.

  • Empresas: As áreas fiscais e contábeis precisarão reconfigurar seus sistemas de gestão (ERPs) para incorporar as novas alíquotas e as bases de cálculo alteradas, bem como a forma de apropriação dos créditos fiscais. Para as instituições financeiras, de pagamento e agências de publicidade, a principal adaptação será a criação de mecanismos de controle e compliance robustos para verificar a regularidade dos operadores de apostas de quota fixa, sob pena de serem corresponsabilizadas. Isso implica em desenvolvimento de novos módulos de monitoramento e integração com bancos de dados de operadores autorizados.
  • Administração Tributária (RFB): A RFB necessitará de investimentos em seus sistemas de arrecadação e fiscalização para processar as novas regras de benefícios fiscais e para auditar a responsabilidade solidária no setor de apostas. A fiscalização de transações financeiras e de campanhas publicitárias para identificar operações irregulares exigirá ferramentas avançadas de análise de dados e interoperabilidade com outras bases de dados.

 

Necessidades de Adaptação ou Atualização de Sistemas

A adaptação de sistemas envolverá desde a parametrização de alíquotas e percentuais até a reestruturação de algoritmos de cálculo e a criação de novas rotinas de declaração e reporting.

  • Para a Redução de Benefícios: Os sistemas de apuração de IRPJ, CSLL, PIS/Cofins, IPI e CPRB precisarão ser ajustados para aplicar o redutor de 10% de forma correta, considerando as particularidades de cada tipo de benefício (isenção, alíquota zero, redução de base, crédito presumido, etc.).
  • Para a Responsabilidade Solidária: Será necessário desenvolver e integrar sistemas que permitam identificar, em tempo real ou quase real, transações e veiculações publicitárias relacionadas a operadores de apostas não autorizados. Isso demandará interfaces com o sistema financeiro e plataformas de publicidade digital.

 

Possíveis Desafios de Implementação

  • Complexidade Regulatória: A RFB terá um desafio considerável para regulamentar detalhadamente o Art. 6º, que deve ser clara o suficiente para guiar as instituições e evitar arbitrariedades.
  • Volumetria de Dados: O monitoramento de transações e publicidade no setor de apostas envolve um volume imenso de dados, exigindo infraestrutura de tecnologia de ponta para processamento e análise.
  • Interpretação da “Condição Onerosa”: A exceção para benefícios com “condição onerosa” (Art. 4º, III) pode gerar divergências de interpretação e potencial contencioso, visto que o conceito de “investimento previsto em projeto aprovado pelo Poder Executivo Federal até o dia 31 de dezembro de 2025” pode ser questionado dada sua restritividade.

 

ANÁLISE CRÍTICA

Pontos Positivos

  • Fortalecimento Fiscal: O PLP 182/2025 está alinhado à Emenda Constitucional nº 109/2021, que busca reduzir os gastos tributários da União para 2% do PIB. A estimativa de impacto positivo na arrecadação, de R$ 19,76 bilhões para 2026, é um ponto crucial para a saúde financeira do Estado.
  • Justiça Tributária: A redução de benefícios fiscais, muitas vezes concedidos de forma perene e sem avaliação de resultados, visa uma distribuição mais equitativa da carga tributária.
  • Combate à Sonegação e Ilegalidade: A responsabilidade solidária perante operadores de apostas não autorizados é um avanço significativo. Ao envolver instituições financeiras e o setor de publicidade, o projeto ataca as principais vias de suporte para eventuais atividades ilegais, promovendo um ambiente de equidade concorrencial para as empresas regulamentadas.
  • Transparência e Gradualismo: A proposta se baseia em princípios de equidade e responsabilidade fiscal, com uma abordagem transparente e gradual para a readequação do sistema de incentivos fiscais.

 

Pontos Fracos

  • Impacto Setorial Desproporcional: A aplicação linear da redução (10%) pode afetar desproporcionalmente setores que dependem fortemente de incentivos para sua competitividade ou que foram essenciais para o desenvolvimento de certas regiões. Por exemplo, a indústria química (Regime Especial da Indústria Química – REIQ) ou setores com créditos presumidos podem sofrer um aumento abrupto na carga tributária, impactando investimentos e empregos.
  • Risco de Contencioso Judicial: A alteração de regras de benefícios fiscais sem a previsão de mecanismos compensatórios ou de transição robustos, pode gerar um aumento significativo de disputas judiciais. A restritividade do conceito de “condição onerosa” (Art. 4º, III) pode vir a ser um terreno fértil para questionamentos.
  • Insegurança Jurídica: Embora o projeto preserve imunidades e benefícios do Minha Casa, Minha Vida, a imprevisibilidade de futuras reduções pode desestimular novos investimentos de longo prazo, caso empresas temam a alteração unilateral das condições fiscais.
  • Mecanizamos de Compensação: Diferentemente da Reforma Tributária (EC 132/2023), que previu a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) para compensar a perda de incentivos estaduais, o PLP 182/2025 não apresenta mecanismos compensatórios análogos para os benefícios federais. Isso pode acentuar desigualdades regionais.
  • Desafios de Fiscalização e Cooperação: Considerando a responsabilidade solidária, a eficácia da medida dependerá de uma cooperação sem precedentes entre a RFB, Banco Central, e outros órgãos reguladores, além de exigir que o setor privado atue como fiscal, o que pode gerar atritos e custos de compliance.

 

Conclusão

O PLP 182/2025 representa um esforço para a busca por um sistema tributário mais justo e um equilíbrio fiscal duradouro. A redução de benefícios fiscais, tendo em vista o montante vultoso de gastos tributários atuais, é uma medida necessária para se atingir o equilíbrio fiscal, mas mascara o que acreditamos ser o principal problema: o gasto desenfreado da máquina pública, independentemente da matiz política que esteja no comando. Da mesma forma, a iniciativa de responsabilizar agentes que facilitam a operação de apostas ilegais é um passo importante para combater a sonegação e para a proteção do consumidor, mas pode perpetuar o hábito legislativo de onerar um dos agentes de mercado, apenas para dar comodidade excessiva aos órgãos fiscalizadores.

Entretanto, a linearidade da redução de benefícios e a falta de mecanismos compensatórios ou de transição para setores e regiões mais afetados, podem gerar impactos econômicos adversos e aumentar o contencioso judicial. A implementação da responsabilidade solidária, dada sua complexidade, exigirá uma regulamentação clara e uma colaboração eficiente entre os órgãos públicos e o setor privado.

 

Recomendações e Sugestões para Aprimoramento:

  • Estudos de Impacto Setoriais Aprofundados: Sugere-se que o Poder Executivo, ao regulamentar o Capítulo II, ou o Congresso Nacional, considerem a realização de estudos de impacto detalhados para identificar os setores e regiões mais sensíveis à redução linear, permitindo ajustes pontuais que minimizem efeitos negativos desproporcionais.
  • Mecanismos de Transição ou Compensação: Recomenda-se a discussão de mecanismos de transição ou fundos compensatórios para mitigar os impactos da perda de benefícios em indústrias e regiões estratégicas.
  • Clareza e Detalhamento na Regulamentação da Responsabilidade Solidária: É fundamental que a RFB, ao regulamentar o Art. 6º, estabeleça critérios claros e objetivos para a identificação de operadores não autorizados e para a responsabilização das instituições financeiras e de publicidade.
  • Diálogo com o Setor Privado: Aprofundar o diálogo com as associações de classe e empresas impactadas pode enriquecer o debate e auxiliar na construção de soluções mais equilibradas perante os desafios.

Em suma, a aprovação do PLP 182/2025 pode significar um reforço importante para a saúde fiscal do país, mas ao custo de desafios significativos aos setores produtivos e ao ambiente jurídico. Considerando-se o contexto, a aprovação, nesse momento, do PL estimularia a manutenção de um cenário de gastos elevados, sua rejeição – por outro lado – poderia ensejar a falta de regulamentação do mercado de apostas, com prejuízos para a arrecadação e a concorrência leal. O sucesso da proposta dependerá de uma implementação cuidadosa, que pondere a necessidade fiscal com a sustentabilidade econômica e a segurança jurídica.