Em nossa última conversa no Perspectiva Tributária, apresentamos algumas ideias para evitar que a tributação combinada de IRPJ, CSLL e IRPF-Dividendos alcance montantes sem precedentes em países participantes da OCDE, ressaltando-se a preocupação com o aumento da carga tributária total sobre o capital produtivo, o desincentivo ao investimento e as distorções econômicas.
A ausência de um mecanismo robusto de prevenção à bitributação e a falta de progressividade adequada podem comprometer a competitividade e o dinamismo da economia brasileira. Diante disso, hoje apresentaremos duas alternativas que, embora mencionadas de forma genérica em algumas discussões, merecem um desenvolvimento aprofundado para integrar os projetos de lei existentes: a implementação de um sistema de crédito de imposto (modelo de imputação) e a adoção de alíquotas progressivas com faixas de isenção para pequenos investidores.
O sistema tributário brasileiro, mesmo com a isenção atual de dividendos, já impõe uma carga de IRPJ e CSLL que pode atingir aproximadamente 34% sobre o lucro real das empresas. A mera reintrodução do imposto sobre dividendos sem compensação resultaria em uma dupla tributação econômica.
Nesse cenário, o modelo de imputação (ou “tax credit/integration“) apresenta-se como uma solução reconhecida internacionalmente para evitar essa distorção.
1.1. Detalhamento do Sistema de Imputação
O sistema de imputação opera sob o princípio fundamental de que o lucro deve ser tributado uma única vez ao longo de toda a cadeia econômica. Nesse modelo, o imposto já pago pela pessoa jurídica sobre seus lucros é considerado um crédito fiscal para o acionista ao receber os dividendos. Esse crédito pode ser parcial ou integral, a depender da política fiscal adotada.
O mecanismo funciona da seguinte forma: primeiro, a empresa cumpre sua obrigação de pagar o IRPJ e a CSLL sobre o lucro apurado. Ao proceder à distribuição dos dividendos, o acionista, por sua vez, deve incluir o valor bruto do dividendo – que compreende o dividendo efetivamente recebido acrescido do imposto corporativo que foi “imputado” a ele – em sua base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Sobre esse valor bruto, é calculado o IRPF devido pelo acionista. Por fim, o acionista pode deduzir o valor do imposto pago pela empresa, que lhe foi imputado, como um crédito em sua declaração de IRPF, garantindo a unicidade da tributação sobre o lucro.
Este sistema traria tributação neutra às empresas que apuram o lucro pela sistemática real, mas sua aplicação àquelas que apuram o lucro pela sistemática presumida implicaria, na prática, no esvaziamento desse regime.
1.2. Potenciais Impactos (Fiscal, Econômico, Social)
Do ponto de vista fiscal, a implementação desse modelo pode exigir uma recalibração inicial da arrecadação, demandando ajustes nas alíquotas de IRPJ/CSLL para manter a neutralidade fiscal. Contudo, a maior transparência e a redução de incentivos à elisão fiscal podem, a longo prazo, estabilizar e até otimizar a base de arrecadação.
Economicamente, o sistema de imputação tem o potencial de reduzir o custo do capital próprio, incentivando o reinvestimento de lucros e tornando o Brasil mais atraente para investimentos estrangeiros diretos (IED), elevando sua competitividade. Além disso, evita distorções como a retenção artificial de lucros ou o endividamento excessivo motivado por razões fiscais, permitindo que o capital seja alocado conforme a lógica econômica e produtiva.
Socialmente, a proposta promove uma maior justiça fiscal ao assegurar que o lucro seja tributado de forma equitativa, uma única vez, antes de chegar ao acionista.
1.3. Comparação com Práticas Internacionais
Internacionalmente, países como Austrália (desde 1987) e Canadá (desde 1972) implementaram variações do sistema de imputação. Embora alguns tenham posteriormente ajustado seus modelos, a experiência de jurisdições desenvolvidas atesta a viabilidade e os benefícios de tais mecanismos para a integridade do sistema tributário e para o estímulo ao mercado de capitais.
O modelo de imputação destaca-se pela transparência, ao aumentar a clareza sobre a carga tributária real do capital, e por eliminar a bitributação econômica, garantindo que o lucro seja taxado apenas uma vez. Isso alinha o Brasil às melhores práticas globais, tornando o ambiente de negócios mais atraente e equitativo ao evitar penalizar o investimento produtivo.
Apesar de suas vantagens, a implementação do sistema de imputação não está isenta de desafios. Sua estrutura pode ser complexa para contribuintes não familiarizados e para a administração fiscal, exigindo uma estrutura fiscal sofisticada para gerenciamento dos créditos tributários. A transição pode gerar incerteza e demandar adaptações significativas, inclusive como adiantamos na edição anterior. Além disso, a integração com o regime de lucro presumido e com as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (MEIs) no Brasil pode representar um desafio técnico considerável.
1.4. Recomendações para Implementação
Para uma implementação eficaz, é crucial realizar um estudo de impacto aprofundado, com simulações fiscais detalhadas para calibrar as alíquotas do IRPJ/CSLL e do IRPF sobre dividendos, garantindo a neutralidade arrecadatória. Um mecanismo simplificado de crédito deve ser desenvolvido para empresas no regime de Lucro Presumido e para micro e pequenas empresas, a fim de evitar burocracia excessiva. A elaboração de legislação clara e abrangente, que defina os procedimentos para o cálculo e a compensação dos créditos, com a devida alteração das leis do IRPJ, CSLL e IRRF, é fundamental. Por fim, o investimento na capacitação da Receita Federal e na atualização dos sistemas é imprescindível para gerenciar eficientemente o novo regime.
As propostas atuais de tributação de dividendos, como o PL 1.087/2025, sugerem uma alíquota única de 10% para dividendos acima de R$ 50 mil mensais. Embora isso represente um passo inicial, a plena progressividade e a proteção dos pequenos investidores são cruciais para a justiça fiscal e o estímulo ao investimento doméstico em pequena escala.
2.1. Detalhamento da Proposta
A proposta visa instituir um sistema de alíquotas progressivas para a tributação de dividendos, similar ao IRPF sobre rendimentos do trabalho, e incluir faixas de isenção específicas para pequenos investidores ou empresas de menor porte. A estrutura progressiva que consideramos ideal preveria uma faixa de isenção total para dividendos até um determinado limite (por exemplo, R$ 10.000,00/mensais ou R$120.000,00/anuais), protegendo pequenos investidores e empresas de menor porte que dependem desses recursos. Acima dessa isenção, definir-se-iam alíquotas crescentes, como 7,5% sobre o excedente de uma faixa e 15% sobre a faixa seguinte, podendo chegar a uma alíquota máxima de 27,5% sobre os maiores valores, buscando alinhamento com a alíquota máxima do IRPF sobre rendimentos do trabalho.
Adicionalmente, empresas enquadradas no Simples Nacional ou com faturamento anual abaixo de um limite específico poderiam ter a distribuição de dividendos integralmente isenta. Essa medida visaria preservar a capacidade de reinvestimento e o acúmulo de capital por essas empresas, que são a base da geração de empregos e inovação em nível local.
2.2. Potenciais Impactos (Fiscal, Econômico, Social)
Fiscalmente, a arrecadação total seria mais previsível e concentrada nos maiores rendimentos de capital. Embora possa haver uma perda de arrecadação nas faixas de menor valor, isso seria compensado pela maior equidade e pelo estímulo ao investimento doméstico.
Economicamente, essa medida protege pequenas e médias empresas (PMEs) e pequenos empreendedores da carga tributária, incentivando-os a reinvestir e crescer. Reduz também o incentivo à fuga de capital por pequenos investidores que, de outra forma, buscariam alternativas mais eficientes. Adicionalmente, facilita a participação de investidores de menor porte no mercado de capitais, aumentando a base de investidores e seu dinamismo.
Socialmente, a proposta promove uma maior justiça fiscal ao aplicar o princípio da capacidade contributiva, equiparando a tributação da renda do capital à renda do trabalho para faixas de rendimento similares.
2.3. Comparação com Práticas Internacionais
Internacionalmente, muitos países utilizam diferentes formas de progressividade ou “allowances” para dividendos. A França, por exemplo, tem uma isenção para dividendos de pequena monta, e o Reino Unido possui uma “Dividend Allowance” anual que permite aos contribuintes receberem uma certa quantia de dividendos sem pagar imposto.
A principal vantagem das alíquotas progressivas e isenções reside em sua capacidade de alinhar a tributação do capital com a do trabalho, baseando-se na capacidade contributiva, o que aumenta a justiça fiscal. Ela também preserva o capital de PMEs e pequenos investidores, incentivando o crescimento e aumentando a aceitação pública da tributação de dividendos, tornando-a mais equitativa. Além disso, simplifica a vida de pequenos contribuintes que não precisarão se preocupar com a tributação.
Entretanto, essa abordagem adiciona complexidade à administração tributária e à declaração do contribuinte. Existe também o potencial para planejamento tributário agressivo, como a pulverização de renda, o que exigiria um controle rigoroso. A necessidade de definir claramente os limites de isenção e as faixas de alíquotas é um desafio que demanda uma revisão detalhada dos projetos de lei em curso no Congresso.
2.4. Recomendações para Implementação
A implementação requereria a definição legislativa clara dos limites de rendimento para as faixas de isenção e progressividade, bem como os critérios para o enquadramento de PMEs. É crucial assegurar que o sistema de tributação de dividendos seja plenamente integrado ao IRPF, utilizando a mesma estrutura de declaração e cruzamento de dados. Recomenda-se ainda a realização de campanhas educativas para informar investidores e empresas sobre as novas regras, seus direitos e deveres. Por fim, seria essencial prever mecanismos de monitoramento contínuo dos impactos fiscais e econômicos, permitindo ajustes nas alíquotas e limites ao longo do tempo.
Cronograma Sugerido para Implementação das Propostas
A implementação de propostas desta magnitude requer um planejamento cuidadoso e fases bem definidas, visando minimizar a incerteza e maximizar os benefícios, algo muito diferente do que se tem pretendido com a aprovação sem debates e em tempo recorde dos PLs em curso.
Conclusão
A reintrodução da tributação de dividendos no Brasil é uma oportunidade para modernizar o sistema tributário, mas deve ser feita com cautela e inteligência fiscal. A proposta de vincular essa tributação a um sistema de crédito de imposto e à aplicação de alíquotas progressivas representa um caminho estratégico para evitar o aumento da carga tributária total sobre o capital produtivo, promover a competitividade, estimular o reinvestimento e garantir que o Brasil não se torne um ambiente hostil para a atividade produtiva. Somente um desenho tributário equilibrado pode verdadeiramente impulsionar o crescimento econômico e a justiça fiscal alinhados às melhores práticas globais.
E isso não se faz de maneira açodada. Se faz com análise crítica e estudos técnicos.