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Tributação de Dividendos no Brasil: Uma Proposta de Aprimoramento Via Redução Integrada do IRPJ/CSLL

Como vimos nos últimos artigos de Perspectiva Tributária, a reintrodução da tributação de dividendos no Brasil é um dos mais complexos e sensíveis temas da reforma tributária nacional. Atualmente, o país se destaca no cenário global por não tributar os dividendos na pessoa física, em contrapartida a uma das mais elevadas cargas tributárias corporativas do mundo. Projetos de lei, como o PL 1.087/2025 e o Substitutivo da Reforma do IR na Câmara dos Deputados, propõem a taxação desses proventos, visando ampliar a arrecadação e promover uma maior justiça fiscal.

Contudo, a simples reintrodução de um imposto sobre dividendos, sem a devida calibragem com a tributação do lucro empresarial (IRPJ e CSLL), corre o risco de acentuar a já elevada carga tributária total sobre o capital produtivo, desincentivando o investimento, gerando distorções econômicas e, em última instância, comprometendo o crescimento sustentável do país. Neste cenário, passaremos a abordar nos próximos artigos ajustes às propostas que existem, com vistas a viabilizar, da melhor maneira possível e a nosso sentir, a reintrodução da tributação de dividendos, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais.

 

O Desafio da Carga Tributária Combinada

O sistema tributário brasileiro já impõe uma carga de IRPJ e CSLL que pode chegar a aproximadamente 34% sobre o lucro real das empresas, antes mesmo de qualquer distribuição de dividendos. Para bancos e instituições financeiras, essa carga pode ser ainda maior, alcançando até 47%. Assim, a adição pura e simples de um imposto sobre dividendos, sem compensação, criaria uma dupla tributação em níveis que superariam significativamente a média de países da OCDE e desestimularia o investimento em capital de risco.

 

A Proposta: Redução Conjunta do IRPJ/CSLL e Tributação de Dividendos

A principal recomendação para aprimorar a reforma da tributação de dividendos é a adoção de um modelo integrado, no qual a reintrodução da tributação sobre os dividendos seja condicionada e compensada por uma redução simultânea das alíquotas de IRPJ e CSLL.

 

  1. Mecanismo de Calibragem da Carga Total

Entendemos que a carga tributária combinada sobre o lucro empresarial (paga pela pessoa jurídica) e sobre os dividendos distribuídos (paga pela pessoa física) não deveria resultar em um aumento da carga total efetiva, e que esta carga combinada seja competitiva em relação a outros mercados.

  • Ajuste de Alíquotas: Por exemplo, se o IRPJ e a CSLL fossem reduzidos de 34% para uma alíquota mais próxima da média da OCDE (que é de 23,6%), a tributação dos dividendos em uma alíquota nominal (ex: 10% ou 15%, conforme propostas em análise no Congresso) poderia resultar em uma carga total sobre o lucro que não penalizasse o capital produtivo de forma excessiva.
  • Alinhamento com IRPF: O objetivo é que a carga tributária total sobre o lucro da empresa e do acionista se aproxime da alíquota máxima do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre rendimentos do trabalho. Isso promove uma maior equidade, minimizando a distinção entre a tributação da renda do trabalho e a renda do capital, sem sobrecarregar a última.

 

  1. Viabilidade e Precedentes Internacionais (OCDE)

A abordagem de reduzir a tributação corporativa ao reintroduzir a tributação de dividendos é uma prática comum em diversos países da OCDE. Nos Estados Unidos, por exemplo, a alíquota federal do imposto corporativo é de 21%. Essa alíquota mais baixa permite que a tributação sobre dividendos na pessoa física (20% para dividendos qualificados[1]) não resulte em uma carga total que comprometa a competitividade.

Muitos países, embora tributem dividendos, o fazem em um contexto em que a carga tributária da empresa é significativamente menor que a brasileira, ou utilizam mecanismos de “imputação” ou “crédito de imposto” (tax credit/integration) para evitar a bitributação econômica. Esse sistema permite que o imposto já pago pela empresa sobre seus lucros seja parcialmente ou integralmente creditado ao acionista na apuração do imposto sobre o dividendo recebido, garantindo que o lucro seja tributado uma única vez ao longo da cadeia econômica.

 

  1. Sugestão de Ajustes aos PLs Existentes

Para incorporar esta melhoria nos principais PLs em voga (PL 1.087/2025 e Substitutivo da Reforma do IR), sugere-se a inclusão de dispositivos que:

  • Condicionalidade Recíproca: Tornem a entrada em vigor da tributação de dividendos condicionada à promulgação de lei que reduza as alíquotas de IRPJ e CSLL.
  • Metas de Carga Combinada: Estabeleçam que a alíquota combinada (empresa + sócio) seja balizada por um teto ou por uma faixa que a aproxime da tributação máxima do IRPF sobre a renda do trabalho, garantindo neutralidade fiscal em relação à fonte da renda.
  • Mecanismo de Crédito (Opcional): Explorem a implementação de um sistema de crédito parcial ou total para o imposto já pago pela pessoa jurídica, visando atenuar a bitributação, conforme modelos internacionais. Este ponto tende a ser mais complexo no sistema brasileiro, tendo em vista o regime de lucro presumido.

É fundamental que tais ajustes sejam claros e inequivocamente vinculados, para evitar que a tributação de dividendos seja introduzida sem a contrapartida da redução do IRPJ/CSLL.

 

Benefícios da Abordagem Integrada

A adoção de um modelo integrado de tributação de dividendos com redução do IRPJ/CSLL traria múltiplos benefícios, como:

  1. Promoção da Competitividade Sistêmica: Ao reduzir a carga tributária corporativa e calibrar a tributação dos dividendos, o Brasil se tornaria mais competitivo no cenário internacional, atraindo investimentos estrangeiros diretos (IED) e retendo capital nacional, que hoje busca ambientes fiscais mais favoráveis.
  2. Redução de Distorções Econômicas: Evitaria o incentivo à retenção artificial de lucros, endividamento excessivo ou recompra de ações motivada apenas por razões fiscais. O capital seria alocado de acordo com a lógica econômica e produtiva, e não por incentivos fiscais distorcidos.
  3. Estímulo ao Reinvestimento e Crescimento: Com uma carga tributária total mais justa, as empresas teriam maior incentivo para reinvestir seus lucros, financiar expansão, inovação e gerar mais empregos, impulsionando o crescimento do PIB.
  4. Justiça Fiscal Efetiva: A tributação da renda do capital seria equiparada, em termos de carga final, à tributação da renda do trabalho, promovendo uma distribuição mais equitativa da carga tributária sem sacrificar a vitalidade do setor produtivo.
  5. Simplificação a Longo Prazo: Embora a transição possa ser complexa, um sistema mais integrado e com menos dupla tributação tende a ser mais transparente e previsível, reduzindo custos de compliance e litígios tributários a longo prazo.

 

Obstáculos e Considerações

A implementação de tal modelo não está isenta de desafios:

  • Impacto Arrecadatório Inicial: A redução do IRPJ/CSLL pode gerar uma perda de arrecadação no curto prazo, que precisaria ser compensada pela nova tributação de dividendos e por outras medidas fiscais. A viabilidade fiscal, com certeza, seria um ponto de intensa negociação.
  • Vontade Política: A aprovação de uma reforma que equilibre interesses tão diversos (arrecadação vs. competitividade, capital vs. trabalho) exige forte liderança política e capacidade de negociação.
  • Complexidade de Transição: A mudança de alíquotas e a introdução de novos mecanismos podem gerar incerteza e demandar adaptações significativas por parte das empresas e do fisco.

Conclusão

A reintrodução da tributação de dividendos no Brasil é uma oportunidade para modernizar o sistema tributário, mas deve ser feita com cautela e inteligência fiscal. A proposta de vincular essa tributação à redução do IRPJ e CSLL representa um caminho estratégico para evitar o aumento da carga tributária total sobre o capital, promover a competitividade, estimular o reinvestimento e garantir que o Brasil não se torne um ambiente hostil para a atividade produtiva. Somente um desenho tributário equilibrado pode verdadeiramente impulsionar o crescimento econômico e a justiça fiscal alinhados às melhores práticas globais.

[1] Nos EUA, dividendos qualificados são um tipo de dividendo que, se atender a certos critérios, é tributado em taxas preferenciais, as mesmas taxas aplicáveis aos ganhos de capital de longo prazo (long-term capital gains). Essas taxas são geralmente mais baixas do que as taxas do imposto de renda ordinário.

Principais Requisitos para um Dividendo Ser Qualificado nos EUA:

  1. Emitente da Ação: O dividendo deve ser pago por uma corporação dos EUA ou por uma corporação estrangeira “qualificada”. Uma corporação estrangeira é geralmente considerada qualificada se for elegível para os benefícios de um tratado fiscal com os EUA que inclui uma cláusula de troca de informações, ou se suas ações forem negociadas em um mercado de valores mobiliários estabelecido nos EUA.
  2. Período de Posse (Holding Period): O investidor deve ter mantido a ação por um determinado período mínimo (o holding period), que geralmente é mais de 60 dias durante o período de 121 dias que começa 60 dias antes da data de registro do dividendo (ex-dividend date). Para certas ações preferenciais, o período de posse é mais longo.
  3. Não Ser um Dividendo “Não Qualificado”: O dividendo não pode ser categorizado como um dividendo não qualificado. Exemplos de dividendos não qualificados (tributados como renda ordinária) incluem:
    • Dividendos de cooperativas.
    • Dividendos de depósitos em bancos e outras instituições financeiras (que são, na verdade, juros).
    • Dividendos pagos por organizações isentas de impostos.
    • Pagamentos em vez de dividendos.
    • Dividendos do programa de dividendos e distribuição de capital da ESOP (Planos de Propriedade de Ações para Empregados).

Contexto para o Brasil

É importante ressaltar que o conceito de “dividendos qualificados” não existe no sistema tributário brasileiro atualmente.